O CARONA
Eu li essa no msn autos e achei hilaria, imagina a cena...
O Carona
O fato relatado por José Carlos, entretanto, de tão inusitado, fisgou-me na alma.
A cena começou no escritório.– Alguém mora lá pelos lados do Shopping Anália Franco?– Eu, do ladinho.– Seu rodízio é às segundas, não é? – Sim...A pergunta do odiado gerente financeiro parecia tão inocente que o analista José Carlos respondeu de supetão. Mas logo o chefe lançou o olhar por cima dos óculos, o mesmo usado quando chamava a próxima vítima para reuniões de feedback. - É que troquei de carro. Cara, estou com um BWM 550i. Que máquina! Se você tiver que comprar outro carro, prefira esse.Sugerir um carro de mais de R$ 300 mil àqueles que, como o analista, levariam duas décadas para ganhar esse valor era apenas uma entre as tantas tentativas de humilhação utilizadas diariamente pelo chefe. Outra era a bomba que, já pressentida por José Carlos, estouraria sobre ele: "Preciso de carona às sextas-feiras, dia do rodízio do meu 550i. Me pegue amanhã às 7h em frente ao shopping, tudo bem?"Claro". O que mais José Carlos poderia responder? Sabia que aquele ser arbitrário tomaria qualquer desculpa como uma insubordinação imperdoável. C-l-a-r-o. José Carlos repetia cada letra, que o envenenava como a cicuta a Sócrates. A vida tão curta, o tempo tão rápido, as opções tão poucas. E ele agora perderia algumas preciosas horas no carro para refletir sobre os mistérios do mundo, trocar como bem entendesse (freneticamente, diga-se) as estações do rádio e tirar caca do nariz em paz. E na volta? Estava fadado a voltar no horário imposto pelo patrão. Não era justo. Aliás, isso poderia configurar assédio moral. Mas José Carlos tinha um plano que, se funcionasse, além de quente vingança, renderia boas risadas com os amigos.Dia seguinte, shopping Anália Franco, 7h. José Carlos deixara o banco da frente livre para o chefe. No de trás, porém, estava Zeus, seu dog alemão que babava por todos os cantos. A mulher tagarela em plena TPM. O filho caçula, estragado pela mãe, que gritava se contrariado até por si mesmo. O chefe olhou por cima dos óculos. Tirou os pêlos do banco e se acomodou com um bom-dia tímido. Automaticamente, Zeus – que não tinha problemas com autoridade – o lambeu do pé da nuca ao topo da cabeça, deixando o cabelo com efeito de gel. A mulher, mal José Carlos deu a partida, fez o gerente descer do carro e tirar o paletó. "Tem um botão solto, tira isso que eu costuro. Tenho agulha e linha aqui". O filho reagiu: "Eu coleciono botão, me dá!" O homem, resignado, voltou para o carro e entregou o paletó. Zeus deu nova lambida. O menino berrou. E, assim, chegaram à zona sul.No escritório, José Carlos avisou que a mulher, mais o filho e Zeus, voltariam para pegá-los no fim da tarde. Tinha certeza de que seria a última carona que daria ao chefe. Mas a vida é sempre uma surpresa. - Será que sua mulher gostaria de dirigir um 550i? Filho da mãe, pensou o analista. Claro que o manda-chuva daria um jeito de retribuir a humilhação. Perguntou, bravo, por quê.- No dia do seu rodízio, ela, Zeus e seu filho, poderiam nos trazer e nos buscar com meu carro. O cara era mais perverso do que José Carlos imaginava.
Queria mostrar que nada o atingia.- Eles vão destruir seu carro novo, chefe! – desconversou.O homem, meio tristonho, passou os olhos pelo botão costurado, pela ausência do botão reserva dado ao filho do funcionário e ajeitou os cabelos ainda gosmentos. Foi só então que José Carlos entendeu. A boa hora solitária que lhe faltaria no dia do rodízio era a única companheira das longas horas do chefe.- Segunda-feira, às 7h! – festejou o funcionário.Há um mês, duas vezes por semana, aqueles cinco vêm e vão entre lambidas, gritos e sussurros. No escritório, as coisas não mudaram muito: o homem continua olhando por cima dos óculos. Mas José Carlos já não sente tanta raiva assim.
Gostei da história, verdadeira ou não.
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