Advocacia (e outras profissões) após os 50 anos

Eu respondi algumas perguntas ao Dr. Lucas Aleixo Pasqual sobre como é começar a advogar após os 50 anos no LinkedIn Gostaria de compartilhar por aqui. Segue:


Talking about: A advocacia (e outras profissões) após os 50 anos


·         Publicado em 23 de julho de 2020

Lucas Aleixo Pasqual

 Advogado Corporativo Pleno at Cencosud Brasil | Especialista em Direito Imobiliário | Técnico em Processamento de Dados/TI | Escritor | Head do Projeto Talking About no LinkedI

 Hoje tenho a alegria de ter aqui no “Talking About (...)” a querida Silvia Mantovani, advogada autônoma, mestranda em Direito Internacional com ênfase em direitos humanos, como convidada.

Em uma época que se fala, de forma intensa, sobre inclusão, não temos momento mais oportuno para conversarmos sobre esses grandes profissionais que nos rodeiam e que fortalecem nosso dia a dia com sua maturidade, experiência e direcionamento.

Todos temos muito a oferecer uns aos outros, independentemente de nossa idade ou momento profissional.

Quais são os desafios da atuação da advocacia (e outras profissões) após os 50 anos?

Let´s go?

 

Silvia, que alegria ter você como minha segunda convidada aqui no quadro “Talking About (...)”. Muitos não sabem, mas tive a honra de estudar com você na graduação de direito e quando eu estava montando o cronograma dos primeiros assuntos que eu abordaria aqui, não pude hesitar em te convidar para falarmos sobre a advocacia após os 50 anos. Antes de mais nada, conte para nós o que você achou deste tema. Esse assunto, para mim é muito relevante no mercado corporativo, em geral, e acredito que os desafios não estejam somente presentes na advocacia, como também em diversas outras profissões. Como sabemos, existem projeções do IBGE que indicam que, em 2030, a quantidade de estudantes com mais de 60 anos ou mais, por exemplo, será maior do que a de crianças de até 14 anos, então é impossível olvidar que esse é um tema de extrema relevância em nosso tempo atual. Você também acha que o mercado precisa falar mais sobre os jovens senhores que estão iniciando ou reiniciando suas jornadas acadêmicas e, por consequência, suas carreiras?

Lucas, o prazer é todo meu em ser lembrada por você para essa participação tão especial no seu quadro “Talking About (...)” e ainda mais por ser um assunto tão empolgante como esse.

Quando nos referimos à pessoas maduras, sempre lembro de Monteiro Lobato. Quem já leu “Reinações de Narizinho” vai se lembrar do primeiro parágrafo que diz: “Numa casinha branca, lá no Sítio do Picapau Amarelo, mora uma velha de mais de 60 anos. Chama-se Dona Benta. Quem passa pela estrada e a vê na varanda, de cestinha de costura ao colo e óculos de ouro na ponta do nariz, segue seu caminho pensando: – Que tristeza viver assim tão sozinha neste deserto…”. Era assim até a pouco tempo atrás: pessoas com mais de sessenta anos eram as vovós e vovôs. Hoje temos uma Madona com 61, Sharon Stone com 61, Bruna Lombardi com 66, Antônio Banderas com 60 e outros tantos... alguém consegue relacioná-los com os vovôs de outrora?

O mundo mudou e muito. As pessoas vivem mais e com qualidade de vida melhor que antes. As profissões também mudaram e segundo Yuval Noah Harari, o aprendizado de máquina será crucial para o futuro do trabalho, onde teremos computadores mais rápidos, inteligentes e melhores “na análise do comportamento humano, na previsão de decisões humanas, e na substituição de motoristas, profissionais de finanças e advogados”. Ele prevê, ainda, que em 2030 muitas profissões terão sumido, o mercado será cada vez mais volátil, e que a cada cinco anos haverá muitas mudanças. Já percebemos que nem precisaremos esperar até 2030, afinal, vejam quanta transformação a pandemia está nos trazendo. 

Então, sim, precisamos falar mais sobre os jovens senhores profissionais.

Como você escolheu a carreira de direito Silvia? Como surgiu o desejo de se tornar advogada e como foi a reação de seus amigos e família quando do momento da divulgação dessa escolha?

Quando criança eu tinha o sonho de ser médica e o desejo de ver o corpo humano por dentro, queria ser cirurgiã. Por outro lado, adorava defender “meus direitos”, era bem aguerrida e as pessoas a minha volta brincavam que eu seria uma boa advogada. A vida foi ficando confusa após a morte da minha mãe devido ao câncer de mama, quando eu tinha 7 anos. Naquela época era difícil estudar, tínhamos escolas públicas excelentes, mas não tínhamos disposição. Até para cursar o 2º grau foi complicado, quanto mais uma faculdade. Sempre quis estudar, adoro ler, pesquisar, mas tive que trabalhar e encostar meu sonho de cursar uma faculdade. A vida transcorreu, trabalhei, casei e fui morar no interior. Fiquei viúva, voltei para São Paulo, passei em um concurso e fui trabalhar no Instituto de Infectologia Emilio Ribas como técnica de necrópsia. Pronto, realizei meu sonho de ver o corpo humano por dentro! Tentei voltar a estudar, queria seguir na área da saúde, mas trabalhava por escalas, então fui tentando outros concursos e passei na Defensoria Pública de São Paulo. Era hora de cursar a faculdade e o Direito prevaleceu! Estava com 50 anos e todas as pessoas a minha volta disseram que era muita coragem começar com essa idade, mas a admiração era evidente e incentivadora.

Sabemos que a graduação em Direito é bem extensa e exige uma grande sabedoria emocional no tocante ao equilíbrio de tarefas diárias. Quais dificuldades você elencaria ou talvez trampolins que você identificou em sua trajetória acadêmica que, quando mais jovem, você não tinha ainda experimentado? Compartilhe alguns benefícios e situações não desejáveis que você enfrentou durante seus estudos.

Sabe Lucas, eu sou uma pessoa persistente e determinada e quando me proponho a fazer uma coisa, me jogo e vou por inteira. Quando comecei o curso foi um prazer. Eu procurava ler tudo a respeito das disciplinas e compartilhava com os colegas (fui a representante da sala em todo o curso), mas percebi que havia uma certa rejeição por parte deles e um colega me aconselhou a parar de me preocupar com os outros, pois eles comentavam entre eles que eu queria “aparecer”. Fiquei triste, mas passou e não compartilhei mais nada, a não ser quando solicitada.

Acredito que todas as pessoas deveriam cursar uma faculdade com mais idade, mesmo que tenham uma formação anterior. Cursar uma faculdade aos cinquenta, quando você já tem a experiência de vida é revolucionário! A pessoa já tem a base, as aulas fazem sentido e muitos dos temas tratados você já vivenciou. Sempre lembro de uma aula de direito penal, que tratava de infanticídio e estado puerperal, onde uma jovem e brilhante aluna perguntou o que era "puerperal". O que para mim era tão simples, para ela era uma barreira no entendimento da aula e percebi que eu era uma das poucas pessoas da sala que sabia o que era estado puerperal, mesmo sem ter filhos. 

Com mais de cinquenta anos a pessoa sabe que não tem a vida inteira pela frente e nem disposição para perder tempo. Se eu estava pagando uma faculdade era para estudar e não para ficar no bar bebendo, por exemplo. Fiz amigos, mas eu não era dos grupos que matavam aula para ir beber. Sempre tive todas as “tarefas” em ordem. Ou seja, eu era a própria "CDF"? Não. Eu era apenas determinada e com objetivos. Sendo assim, há um certo distanciamento dos jovens, principalmente os poucos comprometidos e há também uma aproximação daqueles que acreditam que são mais espertos que você por serem jovens e querem tirar proveito, sabendo que você tem suas matérias organizadas, que faz seus trabalhos a tempo. Sim, existem esses tipos, infelizmente, mas a gente tira de letra, afinal a idade nos dá maturidade para perceber isso. E há também as grandes amizades que permanecerão por toda a vida.

Bom, falando especialmente do seu início profissional como advogada, nos conte mais sobre esse momento e também sobre a sua percepção de mercado. 

Quando me formei eu ainda era funcionária da Defensoria e não podia me inscrever no quadro da OAB. Comecei a especialização em Direito Tributário pelo IBET, não tanto pelo direito tributário, mas pelo ensino do Professor Paulo de Barros de Carvalho. Constructivismo Lógico-Semântico, faz uma diferença dentro da nossa cabeça, aconselho.

Quando aposentei e decidi advogar foi um baque. O começo já é difícil para qualquer advogado em início de carreira e para uma “senhora” de 55 anos é bem mais complicado. Primeiro aparecem aquelas pessoas amigas que querem que você “dê uma olhada” no processo, ou aquelas que: “pode me tirar uma dúvida?”, além daqueles casos que você leva calote. Mas no meu caso havia, ainda, outras pessoas que acreditavam que, como eu era aposentada, trabalhava por hobby e não iria cobrar. Quase uma “mãezona”. Para que possamos nos posicionar e mostrar que somos profissionais competentes é necessário se impor, porém sem ser agressivo.

Para adquirir experiência em audiências, me inscrevi como correspondente. Aconselho as pessoas que estão iniciando a fazerem isso. É uma forma de adquirir bagagem sem grandes riscos. Fiz algumas parcerias com outros advogados.

Do mesmo jeito que há contras em ser um profissional em inicio de carreira com mais idade, há suas vantagens. A que penso ser a melhor é quando as pessoas lhe subestimam por sua condição idade/novata e são pegas de surpresa por seu conhecimento. Acontece muito em audiências. Eles olham o número alto da sua OAB, suas linhas de expressão no rosto e, quando pensam que estão com a faca e o queijo na mão, são surpreendidas.

E continuei estudando. Fiz mais uma pós em direito processual civil, fiz o curso de mediação, o qual falta fazer os estágios (suspensos devido a pandemia) e em agosto de 2019 iniciei o Mestrado na Universidade Católica de Santos, onde pretendo começar a dar aulas no próximo semestre. 

Considerando diversas campanhas que temos notado que falam sobre a contratação de estagiários/profissionais mais maduros, por exemplo, você entende que o mercado pode estar mais próximo de ser mais aberto à contratação de pessoas com mais de 50/60 anos?

Falando especialmente da advocacia, não acredito na contratação de pessoas com mais de 50/60 anos como advogados iniciantes. Como é formado o mercado hoje em dia? Grandes escritórios, com várias filiais que contratam “jovens advogados promissores” que vão dar o sangue, para conseguir crescer. Depois de alguns anos, esse jovem advogado vai ter uma participação e quem sabe um dia terá uma parcela na sociedade.

Advogados recém formados, com mais idade, podem tentar parcerias com outros advogados, se especializar em alguma área, buscar diferencial.

Durante a especialização em tributário, apareceu uma vaga e efetuei minha candidatura. O advogado recrutador ficou muito sem graça e respondeu para mim que era uma vaga de advogado júnior, frisando a palavra júnior, como se dissesse: não é para você. Entendi a mensagem. Com outro colega de turma da especialização, com o qual tenho um bom relacionamento, me ofereci para trabalhar com ele, para adquirir experiência na área e ele respondeu que preferia trabalhar sozinho, etc. Dez dias depois um outro colega, “jovem advogado promissor”, veio me contar que ele o tinha chamado para trabalhar e que estava em dúvida. Me perguntou o que eu achava...

Lembro da época da Defensoria: no meu setor tínhamos 45 estagiários de direito, muitos eram mais velhos, e um defensor se recusava a trabalhar com eles. Um dia perguntei o motivo e ele respondeu que pessoas mais velhas não eram maleáveis. No primeiro momento fiquei na defensiva, depois comecei a analisar o comportamento dos estagiários mais idosos e percebi o que ele queria dizer. Há uma certa relutância nas pessoas mais velhas em acatar as determinações de pessoas mais jovens, o que dificulta o relacionamento e aprendizado. 

Esses dois fatores, seja o mercadológico, seja o comportamental, para mim limita a possibilidade de contratação e devem ser revistos/aprimorados.

Sabemos que o conhecimento tecnológico pode melhorar, de forma intensa, nossa atuação no dia a dia. Nesse sentido, quais dicas você daria para um profissional mais maduro se aproximar mais dessas ferramentas, se destacando no mercado?

Eu gosto de novidades. Quando surgiu o ESAJ e os processos da Defensoria passaram a ser digitais eu me dispus a tomar conta das intimações. Fui aprendendo sozinha, lendo, pesquisando e ensinando outras pessoas. Percebo que os advogados mais velhos têm problemas para lidar com a tecnologia, apesar de que não ser exclusividade deles. As pessoas, sejam de qualquer idade, tem medo de arriscar. Já fiz, inclusive, palestra na OAB sobre peticionamento eletrônico e constatei que muitos advogados deixam na mão de estagiários a sua senha para que eles façam tudo. Ficam na dependência de outros, isso não é bom. Aprender dá trabalho, delegar é mais fácil. Repare nas pessoas com celular, preferem pedir para os filhos, amigos, irmãos resolverem do que tentarem.

As dicas são: tenha curiosidade, se arrisque, tente, não se acomode. Não delegue coisas que você pode fazer e que vai fazer você crescer.

 

Você acha que um serviço de outplacement ou coaching pode auxiliar o profissional com mais de 50 anos a fortalecer seus pontos fortes, facilitando um processo de recolocação? 

Pode ajudar, mas a mudança deve ser mais abrangente. Deve-se ajudar o profissional a fortalecer seus pontos fortes, melhorar sua autoestima, aprender a se “vender” melhor. Temos, porém, o desafio de mudar a mentalidade dos contratantes, fazendo que as empresas percebam que pessoas mais velhas tem muito a oferecer. 

Quais soft skills (habilidades comportamentais) que você entende que estão presentes nesse perfil profissional mais maduro?

Pessoas com mais idade tem um diferencial que jovem nenhum pode alcançar com estudo: vivência e experiência de vida. Isso é um fato que proporciona maior inteligência emocional. Elas sabem lidar com seus problemas, problemas alheios e já adquiriram autoconhecimento suficiente para ter consciência de suas limitações e do seu potencial. Conseguem manter um diálogo com todas as faixas de idade, sendo assim, trabalham em equipe com mais facilidade. Negociam melhor porque sabem que o interessante é o ganha-ganha. Pessoas mais velhas são mais empáticas, porque já viveram muito, já passaram por várias situações. Sabem gerenciar o stress e não tem mais a impulsividade de um jovem.

Posso citar alguns exemplos bem marcantes de pessoas maduras que se destacaram depois dos 50, com certeza, muitos aqui conhecem: Henri Nestlé que criou a farinha láctea com 52; John Pemberton que inventou a Coca Cola aos 55; Roberto Marinho que fundou a Rede Globo com 61 anos; Cel. Sanders que inaugurou o KFC aos 65 e Cora Coralina escreveu o primeiro livro com 75.

Sílvia e se você estivesse representando hoje todos os profissionais acima de 50 anos, qual mensagem você deixaria para o mercado como um todo? 

Não tenha “pré-conceitos” com pessoas mais velhas. Arrisque. Elas podem lhe surpreender.

Sílvia, muito obrigado por sua explanação. Quais são os seus projetos nos próximos anos na advocacia? Poderia compartilhar conosco?

Pretendo terminar o Mestrado em Direito Internacional na Universidade Católica de Santos, com ênfase em Direitos Humanos. Além disso, vou continuar advogando, inclusive como como advogada dativa nas Câmaras Recursais da OAB/SP, e pretendo lecionar. Estou terminando de escrever dois livros. Doutorado e intercâmbio também estão em meus planos. Como podem perceber tenho muitos projetos a serem efetivados. 

Muito obrigado pela confiança nesse projeto, Silvia. O que você achou do “Talking about (...)”? 

Muito bom, é uma oportunidade para que as pessoas conheçam profissionais sob outro aspecto. Suas perguntas permitiram que eu expusesse a minha trajetória de forma que possa beneficiar algumas pessoas e, quem sabe, provocar a reflexão em outras. Eu agradeço o ensejo e nem preciso falar o quanto desejo-lhe sucesso em sua vida profissional e pessoal. 

Deixe uma consideração final aos leitores quanto ao tema.

Se você tem mais de 50 ou menos, a dica é a mesma: abra-se para outras pessoas, outras situações, saia da “caixinha”. O mundo é muito maior e a vida é muito curta. Conhecimento é fundamental, seja o autoconhecimento, seja o conhecimento amplo. Não se acomode.

Aliás, essa época que estamos vivendo é uma excelente oportunidade para revermos nossos conceitos e “pré-conceitos”.

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Sílvia Mantovani é advogada autônoma, especialista em direito tributário e em processo civil.

É também mestranda em Direito Internacional com ênfase em direitos humanos. 

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* Saiba mais sobre o projeto "Talking About (...)" aqui: https://cutt.ly/Yp6spYl


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