Memória e gatilhos
Como é interessante a nossa memória. Eventos que ficaram
adormecidos por anos, décadas afloram na nossa memória como se tivessem
acontecido no mês passado.
Esse afloramento pode ser causado por outros eventos, conversas
recentes que disparam o tal gatilho. Deve ter sido isso que aconteceu comigo.
Nesses dias conversei com uma pessoa que sofreu agressão física,
conversamos sobre o assunto, tentávamos entender o porquê de uma pessoa agredir
outra e justamente pessoas próximas. Não entrarei no mérito, nem me alongar
sobre isso, não é o mote do presente texto. Quem sabe em outro disserte sobre o
assunto, que é interessante e preocupante.
Acredito que a conversa deve ter mexido com alguma gavetinha
do meu cérebro e fez com que aflorasse um acontecimento na minha vida.
Com 16 anos tive meu primeiro namorado, meu primeiro amor. O
homem com quem perdi a minha virgindade, (que coisa brega...). Posso afirmar
que nunca fui romântica e iludida, não acreditava que seria por toda a vida,
nem em amor eterno como as outras meninas da minha idade. Tinha os pés no chão
e perder a virgindade foi uma opção consciente, pensada. É, nunca fui padrão...
Isso aconteceu nos anos 70/80, só para contextualizar e
demonstrar como era diferente na época.
Pois bem, quando percebi que nosso relacionamento não ia dar
certo, que havia entraves sérios que não queria para minha vida, terminei com
ele. Tudo bem, parecia que ele ia aceitar bem. Segui a vida e uns dez dias
depois a mãe dele me chamou para conversar e entender porque eu terminara.
Passei o domingo com ela, almocei e voltei para casa no fim da tarde.
Quando cheguei perto de casa ele estava me esperando. Todo
cheiroso, bem-arrumado, até admirei. Perguntou de onde eu estava vindo e não
respondi. Na sequência perguntou se eu ia voltar com ele e respondi que não. Acendi
um cigarro, e disse que ia embora para casa. Ele perguntou por que não ia
voltar com ele e respondi enumerando, quando cheguei no quinto motivo, ele me
deu um tapa na cara. O cigarro caiu no chão e abaixei para pegar. Senti o
primeiro pontapé, cai no chão e ele começou a me chutar. Tentei me erguer do chão
e mais porradas, consegui levantar e me dirigi para casa, estava a poucos metros
do portão, ele continuou me batendo e eu tentado correr. Consegui entrar em
casa. Foi horrível, não sei de onde tirei forças.
Meu pai tentou sair para ir atrás dele, minha irmã não
deixou, tirou a chave da porta e escondeu.
Liguei para o irmão dele e contei a história, ele queria que
denunciasse e se ofereceu para ir comigo na delegacia. Não quis ir. Sabia que
se fosse, por ser menor de idade ia ficar muito complicado para ele. Tinha
certeza que ele já estava tão f* na época que se fizesse isso, só o
prejudicaria mais. Consegui perdoar. Nem sei como. Tinha a certeza que
aquela surra que levei seria a última que um homem daria em mim e que iria sarar dos hematomas, dos inchaços, mas que ele, o agressor jamais iria se
recuperar do feito.
Nunca mais um homem levantou a mão impunemente para mim.
Sim, houve tentativas de agressão, mas não concretizadas.
Esse fato estava bem escondido na memória e veio a tona
depois de tantos anos. Aliás, nem lembrava que um dia um homem me agredira na
vida. Interessante a nossa memória.
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