Encontro de gatas semelhantes e desiguais.
A gata vivida, experiente, com marcas da vida pelo corpo
descansava ao sol, refletindo sobre a vida, sem compromisso, sem pressa. Ao
levantar os olhos percebe a aproximação de outra gata, com idade semelhante,
que lhe cumprimenta e inicia uma conversa.
A gatona, chamaremos ela assim, observa a gatinha, tentando
descobrir coisas a seu respeito e o que poderia lhe acrescentar esse novo
conhecimento.
Todos seres que se aproximam de nós tem algo a nos oferecer,
seja uma ideia nova, uma experiência de vida, uma opinião diferente ou qualquer
coisa e ao observarmos e darmos ouvidos a esses novos conhecidos, aumentamos
nosso arsenal de conhecimento, enriquecemos a nossa própria vida.
Gatona, esperta, vivida, dá corda, empresta seus ouvidos
para a novata, deixa-a falar, ouve-a com atenção tentando compreender aquilo
que não é dito, refletindo sobre os prováveis pensamentos que originam a fala.
Joga, a esmo, perguntas para obter respostas que lhe interessa para montar um
perfil da nova companheira.
A novata tem uma situação de vida confortável, estável,
resumindo: cômoda. Percebe-se que se esconde por trás da família tutora, se
arrisca pouco, tem medo de viver e se atirar no mundo e seu tempo nessa vida já
adentrou na última fase, pode-se dizer que a juventude felina já ficou para
trás há tempos.
As duas conversam, a novata conta fatos recentes de sua
vida, discorre sobre a vontade de mudar, de se atirar um pouco mais, no entanto, se sente paralisada, arruma desculpas e se recolhe. É uma conversa estranha,
dois seres da mesma raça, com situações de vida tão semelhantes, mas, em simultâneo, tão díspares.
A gatona tenta abrir um pouco o olhar da novata, mas a cada
tentativa a novata se recolhe, se encolhe e some da vista. A mais velha
prossegue nas suas reflexões e recua, dando espaço para a novata. Não vai mais
insistir.
Não demora muito e a novata retorna. Parece um jogo de
esconde-esconde. Enquanto a novata tenta se manter afastada, volta a se aproximar da gatona que fica sem entender nada. Gata experiente, escaldada, não
tem paciência com florzinhas murchas que sequer conseguiram florir direito. Mas, por outro lado, pensa que poderia dar um pouco de luz na vida da novata. Abrir
um pouco seus olhos, no entanto, percebe a gaiola que a outra se colocou e
prefere ficar.
O que será que aconteceu com a novata para que ela se
escondesse na barra da saia dos tutores? O que será que lhe aconteceu ao longo
da vida para ter tanto medo de viver intensamente. Acostumou-se a viver
a vida dos outros, à sombra dos outros, sua vida só tem significado em relação às pessoas que a adestraram para ser cordata, amável, solícita. Mas, em simultâneo, percebe-se a sua inteligência, sua vivacidade debaixo daquela camada
grossa em que ela se protege.
Há uma dualidade, pois poderia ter se aproximado de outros
felinos, que talvez se assemelhassem mais a ela e sua escolha de vida, mas o
interessante é que se aproximou justamente da gatona. Por que?
Por que escolheu justamente a gatona para se achegar?
Será que a liberdade da mais experiente a atraiu? Ou será que há mais algo que não conseguimos perceber? Provavelmente nunca mais se encontrarão, pois
a novata evita fornecer mais informações sobre onde poderá encontrá-la. E a
mais antiga não faz questão e tampouco insiste. Afinal, com seu espírito de
caçadora, se quiser encontrar a novata, encontrará sua localização.
A gatona está cansada da brincadeira, como boa gata, brinca,
brinca e se cansa, tenta se afastar e procurar outras diversões e a novata
volta a rodeá-la. Ela suspira e releva, vai embora logo.
Chega o dia da Gatona ir embora, percebe que a novata a
evita e finge que não vê. Melhor assim. De repente a novata está a seu lado,
ela olha através dela, levanta e segue seu caminho, sem olhar para trás.
Photo by Max Sandelin on Unsplash
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